A Ribeira Lin Kai foi aterrada em meados da década de 1910. Segundo um mapa da época, o estuário da Ribeira Lin Kai ficava no porto interno, ou seja, na junção da Rua de João Araújo com a Avenida do Almirante Lacerda de hoje; a maior parte do canal do rio ficava na Rua da Barca e na Rua da Restauração de hoje1. Este é o registo do último período da história da Ribeira Lin Kai no final do século XIX e início do século XX. No entanto, a Ribeira Lin Kai, encontrada nas Histórias de Macau do Sr. Wang Wenda ou na Monografia de Macau da Dinastia Qing, é diferente com a descrição feita acima. Até nos mapas anteriores ao início do século XVIII, a Ribeira Lin Kai quase nunca aparecia. Relativamente à existência desta ribeira nos registos parece que ainda existem muitos “mistérios” a serem resolvidos.
Nascente da Ribeira
Em geral, quando um fluxo flui no superficial, a parte erodida forma-se no canal do rio, ou vale do rio, a parte onde a água flui é o camino de água2. Como um riacho, a Ribeira Lin Kai tem a sua nascente, sem dúvida, das três colinas: a Colina da Guia, a Colina de Mong Há e a Fortaleza do Monte. A terra relativamente plana entre as três colinas é o terreno baixo ao sul de Mong Há que é a área de ambos os lados da Avenida de Horta e Costa de hoje. As direcções norte, leste e sul do terreno baixo de Mong Há eram cercadas por colinas, somente o oeste estava à frente do porto interno; o canal da Ribeira Lin Kai também estava nessa localização.
Direcção do fluxo da Ribeira Lin Kai
Quanto à direcção do fluxo da Ribeira Lin Kai, Wang Wenda tem a seguinte descrição no seu livro Histórias de Macau: “A origem da ribeira é na Rua de João Araújo ... O fluxo passa ao leste até à frente do Pagode Seak Kam Tong e ao norte virando para a Rua da Barca ...”3 No entanto, de acordo com as características topográficas mencionadas no parágrafo anterior, o terreno baixo de Mong Há é cercado ao Norte, Leste e Sul mais alto, e a oeste mais baixa. Devido à força gravitacional, é um fenómeno natural que a água flua do ponto alto para o baixo. Wang Wenda acredita que a água da Ribeira Lin Kai era introduzida do porto interno e fluía na direcção do leste para o terreno baixo de Mong Há, isto é obviamente irracional. Pelo contrário, é mais razoável supor que a Ribeira Lin Kai, conforme a topografia do terreno baixo de Mong Há, fluía para baixo, de leste para oeste, para o mar. A Ribeira Lin Kai estava localizada a oeste do terreno baixo de Mong Há; assim, o terreno baixo de Mong Há, o pé da Colina de Mong Há, o pé oeste da Colina da Guia e o pé norte da Fortaleza do Monte formavam uma bacia, de onde a água das chuvas e as ribeiras de colinas fluíam passam pela Ribeira Lin Kai a entrar no porto interior para o mar.
A Ribeira Lin Kai pode ser um rio artificial
A Ribeira Lin Kai aparece raramente nos mapas antigos e nos registos escritos de Macau, e não há sequer registo de pontes sobre a Ribeira Lin Kai. Chegando ao século XVIII, as informações da Ribeira Lin Kai, de San Kio (ponte nova) e da ponte antiga aparecem nos documentos chineses e ocidentais do mesmo período, nomeadamente, o “Mapa de Macau pela vista frontal” na Monografia de Macau de 1751, em que consta a ribeira e as pontes fora da muralha da Cidade de Macau, e o mapa de Macau de 1796 em inglês4, que também consta a ribeira e as pontes a norte da muralha, documentos estes são mais citados. Teoricamente, a existência da ribeira e das pontes é bastante óbvia e havia pontes na Ribeira Lin Kai, o que significa que o canal do rio tinha pelo menos a largura de alguns metros e uma certa profundidade. O canal obstava ao tráfego no dia-a-dia, mesmo às unidades móveis durante a guerra. A Ribeira Lin Kai estava no caminho das Portas do Cerco para o portão da Igreja de Santo António e mesmo no século XVII ou antes, não havia razão para ser ignorada. Pelo exposto, não podemos pensar numa possibilidade: A Ribeira Lin Kai podia ter sido um canal do rio artificial aberto no século XVIII, enquanto a ponte velha e San Kio apareceram junto da escavação deste canal do rio.
Figura 2.No mapa de Macau do século XVII, elaborado por um holandês, não se encontra a Ribeira Lin Kai
Fonte: Tang Kaijian: “Macau-Notas sobre a Evolução Urbana e Arquitectónica durante a Dinastia Ming”, Revista de Cultura, n.º 35 da Versão Chinesa, Instituto Cultural de Macau, 1998, Pág. 81
http://www.icm.gov.mo/rc/viewer/10035/636.
Figura 3: Mapa de Macau do século XVII
Funte: Tang Kaijian: “Macau-Notas sobre a Evolução Urbana e Arquitectónica durante a Dinastia Ming”, Revista de Cultura, n.º 35 da Versão Chinesa, Instituto Cultural de Macau, 1998, Pág. 79;
http://www.icm.gov.mo/rc/viewer/10035/636
Figura 4: Mapa de Macau no fim do século XVII
Fonte: Luís Filipe Barreto: “O Estatuto de Macau (Séculos XVI e XVII)”, Revista de Cultura, n.º 36 e 37 da Versão Chinesa, Instituto Cultural de Macau, 1998, Pág. 82;
http://www.icm.gov.mo/rc/viewer/10036/645.
Contexto do surgimento da Ribeira Lin Kai
Devido à topografia, não faltava nascente de água ao redor de Ribeira Lin Kai. As fontes e as chuvas das três colinas ao redor podiam formar várias correntes de água que fluíam para fora do porto interno, cada fluxo não era grande, que não ponha em causa a passagem de pessoa e gado, portanto não havia necessidade de ser registado.
Se a Ribeira Lin Kai fosse aberta artificialmente para reunir as águas de todo o terreno baixo de Mong Há, qual era o seu motivo? No tempo da Dinastia Qing não havia dificuldades técnicas em escavar um canal de rio artificial de várias centenas de metros. O problema era que a mão-de-obra e o custo deveriam ser grandes, devia existir um motivo muito importante por trás disto - alimentos.
Na História de Macau, Wang Wenda entende que a Ribeira Lin Kai era “uma engenharia hidráulica para os agricultores”5 . A Ribeira Lin Kai tinha uma relação muito próxima com as várzeas de arroz no terreno baixo de Mong Há. No entanto, Wang aponta que à Ribeira Lin Kai foi introduzida a água de Hou Kong (porto interno), mas, ao mesmo tempo, aponta que a água da Ribeira Lin Kai era salgada: como pode alguém regar com água salgada os campos de arroz ? Isso viola o princípio básico do cultivo de arroz. Como a análise acima mencionada, a água da Ribeira Lin Kai passa do terreno baixo de Mong Há para o porto interno, mas não pode ser excluída a existência de refluxo em certas circunstâncias especiais.
圖5 1731年 雍正本《廣東通志》中的澳門圖,圖中隱約有橋樑的描繪 6
O século XVIII compreende os períodos dos últimos anos do Imperador Kangxi, do Imperador Yongzheng, do Imperador Qianlong e os primeiros anos do Imperador Jiaqing, foram reconhecidos como uma época de prosperidade, um dos fenómenos era o crescimento da população: estima-se geralmente que, no início do século XVIII, a população da China era de cerca de 100 milhões, enquanto no final do século XVIII a população subiu para 300 milhões. Embora as áreas costeiras de Guangdong tenham sido menos danificadas durante as guerras das Dinastias Ming e Qing no século XVII, contudo foram afectadas pela política de evacuação do litoral nos primeiros anos do Imperador Kangxi. No final do século XVII, o Imperador Kangxi anulou a política de evacuação do litoral e abriu cinco portos de comércio em Guangzhou. No início do século XVIII, foi alterada a política de imposto. Com um ambiente pacífico e políticas moderadas, a parte norte da Península de Macau ainda estava sob a administração do distrito de HEONG SAN naquela época, era natural que a sua população tenha crescido substancialmente nestes 100 anos. O crescimento da população também põe em causa a procura de alimentos e era necessário aumentar a eficiência da terra cultivada e da agricultura.
O arroz era a cultura mais comum em Guangdong, na dinastia Qing. Na fase inicial da plantação de arroz, era necessário irrigar os terrenos com água doce e com a profundidade de alguns centímetros para cobrir completamente a terra cultivada e, em seguida, drenar e irrigar. Portanto, um sistema completo de irrigação devia incluir tanto a introdução de água como a drenagem. Quando os campos de arroz no terreno baixo de Mong Há precisavam de ser efectivamente utilizados, além de reunir e armazenar a água doce, devia evitar o excesso de água, que podia inundar as plantações, e a Ribeira Lin Kai desempenhava o meio de drenar o excesso de água ao porto interno. Isto também explicar porque a qualidade da água da Ribeira Lin Kai não era boa, porque no outono e inverno provavelmente não havia muita água doce, que podia ser descarregada na Ribeira Lin Kai.
Mudança da Ribeira Lin Kai nos mapas
Nos mapas dos séculos XVIII e XIX, a Ribeira Lin Kai era frequentemente apresentada, embora a precisão dos primeiros mapas fosse limitada e não pudesse ser usada como base para a medição, ainda assim teve a sua importância na comparação das diferenças. Por exemplo, a Ribeira Lin Kai no “Mapa de Macau da vista frontal” e no “Mapa de Macau da vista lateral” (veja os mapas abaixo) são desenhadas de forma diferente. Ao lado da ponte, no primeiro mapa são desenhados três ramos da Ribeira Lin Kai, enquanto no último são desenhados dois ramos. Os mapas ocidentais raramente apresentam os ramos que entram nos campos de arroz.
Figuras 6 e 7: A Ribeira Lin Kai é ligeiramente diferente no “Mapa de Macau da vista frontal” e no “Mapa de Macau da vista lateral” na Monografia de Macau 7
Seja o “Mapa de Macau” nas Histórias Locais de Guangdong de 1731, o “Mapa Geral de Macau na Tampa de Caixa com Laca Dourada” de 1746, o “Mapa de Macau da vista frontal” na Monografia de Macau de 1751 ou o “Mapa Geral de Macau” na Histórias Locais do Distrito de Heongshan com Revisão de 1827, a Ribeira Linkai descrita tem sempre uma ponte perto do terreno baixo de Mong Há. Como marcado no “Mapa Geral de Macau”, presume-se que a ponte seja a “ponte velha”. Os ramos da Ribeira Lin Kai no “Mapa de Macau da vista frontal” ficam a leste da ponte velha, enquanto nos outros dois mapas, o lado leste da ponte velha encontra-se um campo agrícola. Caso existisse um sistema de irrigação planeado nos campos de arroz em todo o terreno baixo de Mong Há, então as valas de drenagem eram nos campos, como um conhecimento comum aos olhos das pessoas, não é estranho não desenhar as valas de drenagem. Não há contradições nos registos dos três mapas e também se corresponde à dedução referida acima, que a Ribeira Lin Kai foi um canal artificial para a drenagem dos campos de arroz de Mong Há.
Figura 8. Nas Histórias Locais do Distrito de HEONG SAN da versão de Daoguang de 1827 encontram ao mesmo tempo San Kio, ponte velha e Ribeira Lin Kai.8
Estima-se que a mudança verdadeira da Ribeira Lin Kai aconteceu depois de meados do século XVIII. A Ribeira Lin Kai no “Mapa de Macau da vista frontal”, após reunir as correntes ao redor da ponte antiga, passou ao nordeste directamente para o mar. Durante este período, devido à sedimentação e outras razões, a linha costeira do estuário da Ribeira Lin Kai mudou e o canal da Ribeira Lin Kai necessitava de percorrer uma distância mais longa para chegar ao estuário. Com a alteração de comprimento do fluxo e as necessidades de desenvolvimento económico de Macau, era preciso construir mais uma ponte na localização do estuário a jusante, portanto San Kio apareceu no final do século XVIII e tornou-se a origem da história da Povoação de San Kio, mas o caminho da Ribeira Lin Kai não mudou muito até ao momento em que foi soterrado no início do século XX.
新橋
Notas:
1Planta da peninsula de Macau, 1889, Library of Congress, https://www.loc.gov/resource/g7823m.ct000570/
2Yang Wanquan, Hidrologia- Versão Actualizada, Taipei: Faculdade de Geografia Universidade Normal de Taiwan, 1993, Pág. 330.
3 Wang Wenda, Histórias de Macau, Macau: Editora de Educação de Macau, 2003, Pág. 155.
4A Plan of the city and harbour of Macao 1796, Library of Congress, https://www.loc.gov/item/2002628198/.
5Wang Wenda, Histórias de Macau, Macau: Editora de Educação de Macau, 2003, Pág. 154.
6Museu do Palácio de Taipei, http://www.npm.gov.tw/exhbition/cah9912/chtm/seb.htm。
7Zhao Chunchen, “Análise sobre a Monografia de Macau e a sua Revisão”, Revista de Cultura, n.º 13 da Versão Chinesa, Instituto Cultural de Macau, 1998,http://www.icm.gov.mo/rc/viewer/10013/227
8Tam Sai Po, “Sobre as Lendas da "Povoação" na Península de Macau aberta como porto”, Revista de Cultura, n.º 26 da Versão Chinesa, Instituto Cultural de Macau, 1996,http://www.icm.gov.mo/rc/viewer/10026/445.
Data de atualização:2019/11/03
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